segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Jabá X Direito de escolha

“Quando eu era jovem, o mundo era inocente e orgânico. Era o público que decidia o que seria sucesso. A música não tinha manipulação, o jabá não era estruturado”. Essas são as palavras do polêmico Pena Schmidt, produtor musical, que sem medo e com a certeza de poucos, pode falar com propriedade sobre o seleto mundo musical das últimas décadas.

Em entrevista ao O Estado de São Paulo, de 27/abril/08, em Cidades/Metrópole, por Lívia Deodato, o também diretor da ABMI (Associação Brasileira de Música Independente), faz declarações polêmicas, como a primeira frase dessa matéria.

Na reportagem, ele diz que é totalmente a favor da troca de informações online que, em suas palavras, devolve ao público “direito de liberdade de escolha” e tira o poder absoluto das quatro maiores gravadoras (Universal, Sony, Warner e EMI, segundo ele), que “se tiverem juntas 30 artistas, já é muito”.

Apesar de todo esse desprendimento em falar sobre um assunto tão delicado, ao responder uma entrevista ao Ajuste o Dial, Pena Schmidt se esquivou e não respondeu com a mesma clareza que fez ao jornal O Estado de S. Paulo. Mesmo assim, nos deu respostas interessantes.

Ajuste o Dial: Na matéria do jornal O Estado Estado de S.Paulo você diz que aprendeu a identificar quando uma banda tem mesmo o dom, ou não e quando foi trabalhar para grandes gravadoras sua função era praticamente a de olheiro. Quando você detecta esse “dom”, é de acordo com o que considera talentoso ou com o que o mercado intitula como tal? Existe uma fusão das duas coisas?

Pena Schmidt: Acredito piamente que o mercado vem depois, primeiro vem o talento. Esta lógica nos afasta dos “artistas” assim entre aspas, que produzem algo parecido com o que as pessoas já disseram que gostam, aparentemente eles até podem ser considerados “talentosos” pelo mercado, mas costumam soltar as tiras e ter chulé.

AD: Quais são os filtros que determinam a veiculação de um artista na imprensa?
PS: Os óbvios para começar, a aparência, a fotogenia, a vida sexual em público, principalmente o filtro de já serem noticia. Não tão obviamente, porque meio fora da regra, alguns artistas têm talento e são reconhecidos pelos jornalistas, fotógrafos, editores e críticos. Ainda outros artistas juntam a isto tudo uma boa e profissional assessoria de imprensa.

AD: Hoje os artistas precisam não só de talento e competência, mas também de atitude para não serem engolidos pela máquina da indústria cultural. Você acha possível que um músico, um cantor, consiga divulgar seu trabalho, fazer com que ele chegue ao público sem ter sua obra modificada?

PS: Interessante que uma tese do critico inglês J. Firth comprova que a maioria dos artistas ingleses de sucesso nas décadas de 60 a 90 passaram pela Art School, uma instituição inglesa da época da Revolução Industrial, onde se ensina Arte junto com disciplinas técnicas, para formar artistas capazes de gerar artefatos artísticos prontos para serem reproduzidos industrialmente, como um dia foram os papeis de parede e os pés esculpidos da máquinas de costura. Na verdade, estamos falando de uma forma de arte que nasce e se desenvolve fruto da indústria, da gravação e reprodução elétrica, do tempo que cabe num lado de disco, o numero de faixas que cabe no CD e por ai vai. Não é só uma questão de serem engolidos, mas de serem vomitados pela indústria cultural, que produziu flores tão belas, não é?

AD: A cena musical brasileira é ampla e diversificada, porém os grandes veículos de comunicação se pautam sempre por artistas de grandes gravadoras que fazem shows para milhares de pessoas. Existem artistas independentes, que são excepcionais, se apresentando em bares e pequenas casas, às vezes para um publico de 50 pessoas. Por que isso não é divulgado? Onde está a isenção jornalística? Onde termina o jornalismo e começa o comércio?

PS: Excelentes perguntas, cujas respostas requerem 600 páginas cada uma, não sei os porquês, mas sei que não são regras imutáveis e lutar pelas exceções á essas regras tem sido minha vida.

AD: Atitudes como a do cantor Lobão que, durante algum tempo, lançou seus CDs de forma independente, seria uma saída para os artistas que não querem ter sua criatividade castrada pela indústria fonográfica e pela mídia?

PS: Não sei se o comércio é uma alternativa para a arte, como opção de carreira para um artista, acho que não.

AD: Você acha possível que exista um equilíbrio entre o que é vendável para o mercado e a qualidade artística?

PS: Claro, basta separá-los e as coisas se equilibram.

AD: Por que o grande público se deixa levar pelo que é imposto pelo mercado? É papel do público sair a procura de música de qualidade garimpando na internet, nos bares, em shows de artistas independentes ou seria função do jornalismo cultural buscar novidades e levar a este público?

PS: Por que é assim, cultura de massa versus cultura de descoberta individual e a cultura da recomendação tentando junta-los, mas tudo isso fica bem furado se colocado no contexto da rede, no mundo quântico onde os paradoxos se encontram.

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